A poesia de Cruz e Sousa revela este mundo e cria outro. O poeta, que abriu o simbolismo no Brasil, possui uma trajetória regada de profundos sentimentos sobre a vida e a ausência dela, tanto em suas palavras quanto na maneira com que ele escolheu viver. João da Cruz e Sousa foi um mártir de sua arte: viveu e morreu por ela.
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João da Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, na antiga Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina. Seus pais eram Guilherme da Cruz e Carolina Eva da Conceição, escravos alforriados, do coronel Guilherme Xavier de Sousa, o qual João levou o nome.
Sob a tutela do senhor de seus pais, o pequeno poeta se alfabetizou e desde cedo já mostrava o seu talento e sensibilidade na escrita. No meio da elite florianopolitana, Cruz e Sousa conseguiu espaço dentro do colégio Ateneu Provincial Catarinense, tendo como professor o naturalista alemão Fritz Müller – amigo, correspondente e colaborador de Charles Darwin.
Incentivo do berço
Apesar de ter conseguido a vaga por meio do Coronel, Guilherme e Carolina tinham como meta de vida fazer com que seus dois filhos fossem além do que eles um dia sonharam em conquistar.
Em busca do êxito daquilo que pensavam, o casal teceu suas armas, como em uma batalha, para manter João e seu irmão na escola. Acreditavam que a verdadeira redenção, a alforria da alma e da razão humana, era pelo conhecimento.
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E deu certo: Cruz e Sousa se transformou em um leitor voraz, amante das línguas e das ciências. Porém, a rica bagagem cultural do jovem adulto – que para qualquer outra pessoa socialmente aceita seria algo exemplar – foi vista como repugnante. Como um filho de escravizados poderia ter chegado tão longe?
Racismo e angústias
A ambiguidade entre a estética de quem queria se tornar e a vida em que realmente vivia o assombrou até o fim. Em sua arte, o poeta travou uma luta não só para expressar-se sobre a sociedade de seu tempo, mas também para compreender-se enquanto homem e artista.
Enquanto o contato social que caracterizava seu cotidiano era preenchido de dor e preconceito, o isolamento aparecia como uma benção que o permitia descobrir o seu verdadeiro ser, transformando assim a sua poesia em conhecimento, salvação, poder e abandono.
Durante o seu pouco mas memorável tempo de vida, Cruz e Sousa transformou o mundo com sua atividade poética revolucionária. Tratou de temas considerados sombrios, como a morte e o misticismo, de uma maneira nova para época e que influenciou muitos outros poetas para além das fronteiras do Brasil.
A sua essência
Os poemas de Cruz e Sousa, embora fazendo referência ao contexto específico da época da pré-abolição da escravatura no país, podem ser lidos, ainda hoje, como um grito em defesa de sua raça. Para ele, a palavra “escravo” merecia ser extinta do vocabulário de qualquer um.
“Tanto tem de absurda, de inconveniente, de criminosa. Se a humanidade do passado, por uma falsa compreensão dos direitos lógicos e naturais, considerou que podia apoderar-se de um indivíduo qualquer e escravizá-lo, compete-nos a nós que somos um povo em via de formação, sem orientação e sem caráter particular de ordem social, compete-nos a nós, dizíamos, fazer desaparecer esse erro, esse absurdo, esse crime”, profere ele em um de seus discursos na Bahia.
Quando Cruz e Sousa fala da luta e em defesa aos seus irmãos de sangue, deixa de lado qualquer tipo de formalidade gramatical. Ele suplica ao vazio e é alimentado pela a angústia e o desespero de ser negro no século 19.
Os textos que evocam a temática da negritude mostram o que há de mais identitário na essência do poeta, evocando o filho de escravos libertos, o jovem negro educado por brancos.
Em novembro de 1922 o poeta casou com Gavita Gonçalves, com quem teve quatro filhos, todos mortos prematuramente, o que levou a mulher à loucura. A condição da esposa também o enlouqueceu. Empobrecido, insano e tuberculoso, morreu aos 36 anos na cidade de Antônio Carlos, Minas Gerais.
Apesar de ter tido uma vida permeada pelo preconceito, João da Cruz e Sousa conseguiu um dos maiores feitos que qualquer um pode ter: o autoconhecimento. E, felizmente, é possível enxergar esse lindo e doloroso processo em seus escritos. Colocar Cruz e Sousa em debate é dar visibilidade para o poeta de maior expressão da literatura catarinense e um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.
Mês da Diversidade Cultural
Durante todo este mês de novembro, o Educa SC apresenta uma série de conteúdos no canal e no portal para falar sobre a Diversidade Cultural e importância de discussão sobre o assunto nas escolas catarinenses.