Basta ligar a televisão ou acessar as redes sociais para encontrar um termo que passou a ser utilizado nos últimos meses: o novo normal. A expressão ganhou força depois do isolamento — dias que modificaram inúmeras atividades do cotidiano, incluindo a educação. Com o retorno à sala de aula, a preocupação vai além do aprendizado. Agora é preciso estar atento à saúde mental no pós-pandemia.
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É fato que o cuidado com a mente já era assunto antes da Covid-19, mas a conversa é ainda mais necessária nos próximos anos. Basta imaginar que algumas crianças mudaram de escola e encerram ciclos atrás das telas, sem ter o convívio com os colegas ou a rotina, algo que fizeram durante anos — como acordar, fazer a primeira refeição do dia e ir para a escola.
Diante do desafio, qual é o papel dos professores e profissionais da educação? Como transformar o ambiente educacional em um lugar acolhedor, com aquilo que os jovens procuram e precisam?
Os efeitos a longo prazo
Relembrar março de 2020 pode ser um desafio para muitos. O medo, o pavor e um cenário caótico: o fechamento dos comércios, das escolas e a nova rotina em casa. Agora era preciso estudar pelo computador, dividindo os espaços com a família e longe dos amigos.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), na pesquisa Resposta Educacional à Pandemia de Covid-19 no Brasil, 9 em cada 10 escolas não retornaram às atividades presenciais em 2020. O estudo é focado na Educação Básica.
Além da concentração, do uso das novas tecnologias e os obstáculos para compreender alguns componentes curriculares, o distanciamento pode refletir na saúde mental no pós-pandemia. “A mudança de rotina na pandemia afetou a todos e tornou um estado de angústia coletiva. Os adolescentes foram os que mais tiveram sua saúde mental afetada. A falta do convívio social deixou os adolescentes mais suscetíveis à ansiedade e depressão”, conta a psicóloga da coordenadoria de educação de Rio do Sul, Márcia Corrêa Ribeiro.
Tão difícil quanto sair da escola, o retorno também é acompanhado pelos desafios. É fato que cada um possui uma forma de socializar, mas como voltar a conviver com os outros depois de meses em casa? Em um processo único para cada estudante, ouvir, compreender e interagir com os colegas pode ser um obstáculo, que só será vencido com empatia e respeito.
O cenário é mais desafiador para quem mudou de escola ou concluiu o Ensino Fundamental, por exemplo. Em uma nova turma, com outras pessoas, a troca de experiências e os relacionamentos foram construídos pelo celular.
Entretanto, para transformar a escola em um ambiente agradável, existe uma palavra-chave: a aceitação. “Todos os sentimentos devem ser acolhidos, visto que cada adolescente tem uma forma diferente de expressar seus sentimentos”, declara a profissional.
O retorno à sala de aula, os intervalos, as atividades e a experiência escolar também deve ser pensada levando em consideração a saúde mental no pós-pandemia, inserindo a turma nas tarefas e estimulando a participação dos alunos — seja durante um trabalho ou na escolha dos temas.
“Enquanto psicóloga, acredito que no momento pós-pandêmico o mais importante é saber acolher e ouvir as angústias que cada um possui, e partindo disso, criar uma nova rotina na unidade escolar”, acrescenta Márcia.
A nova forma de enxergar a educação e a interação com jovens e pais já está sendo o ponto de partida de muitas unidades pelo estado. Confira alguns projetos que estão sendo desenvolvidos em Santa Catarina:
Resgate à saúde na Escola de Educação Básica (EEB) Paulo Cordeiro – Rio do Sul
Com roda de conversa, palestras, teatros de fantoches e resgate às brincadeiras antigas, a comunidade escolar está melhorando o convívio social, proporcionando bem-estar para alunos, professores e colaboradores.
As atividades estão sendo desenvolvidas por quem está na escola e por convidados, seguindo as orientações da equipe do Núcleo de Educação e Prevenção (NEPRE). Entre os temas debatidos, é possível destacar a saúde mental e física, bullying, auto proteção contra as violências e preservação da vida. “Houve também o desfile cívico, onde estudantes distribuíram tirinhas de papel amarelo com frases de autoestima para a comunidade”, destaca a assistente pedagógica Edina Berger Franz.
Saúde mental em pauta no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) – Rio do Sul
Para abordar o tema nos componentes curriculares, os professores foram orientados a trabalhar o assunto nos encontros com os estudantes. Na educação física, por exemplo, as classes compreenderam os benefícios do exercício físico para o corpo, com a liberação da endorfina e serotonina, e a diminuição do estresse e ansiedade.
Nas aulas de português, os alunos da segunda série do Ensino Médio escreveram mensagens positivas. Os bilhetes foram entregues aos colegas, além de ficarem em exposição no mural da unidade. A equipe pedagógica aproveitou o mês para produzir cartazes informativos, com o telefone de instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV), que realiza trabalho de acolhimento, apoio emocional e prevenção do suicídio de forma voluntária — as conversas são pelo telefone (188), chat ou e-mail.
Palestras com os profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e integrantes do CVV também estão na agenda de setembro. O foco é a prevenção do suicídio e os transtornos mentais.
A dinâmica do envelope gentil está animando os jovens e adultos, que podem deixar mensagens de incentivo e elogios para os amigos. As frases são escritas em uma folha que tem apenas o nome do colega — os textos são anônimos, sem exposição. Os integrantes do NEPRE e o corpo docente estão envolvidos em todas as ações.
Um novo olhar na Escola de Educação Básica (EEB) Dr Hermann Blumenau – Trombudo Central
Sabe aquela vontade de permanecer na escola? De estar envolvido em projetos que vão além da sala de aula? Essa é a interação que os estudantes da Escola de Educação Básica (EEB) Dr Hermann Blumenau estão vivenciando, por meio de tarefas que extrapolam os limites da lousa e dos cadernos.
Com a horta escolar e a reciclagem, as turmas estão permanecendo no ambiente escolar, desenvolvendo habilidades e trabalhando o convívio social. No início a prática era apenas para o Ensino Médio, mas o cenário mudou quando os demais também começaram a participar.
Além das plantas e do cuidado com o meio ambiente, o carinho com a própria imagem e o respeito às origens foram trabalhados em pinturas nas paredes. Isso porque os adolescentes tiveram como foco a diversidade cultural, entendendo as diferenças e miscigenação. Além de trabalhar o bullying e combater o preconceito, a tarefa é um passo importante para quebrar o paradigma do “padrão de beleza”.
“É nítido como foi positivo o engajamento dos alunos nos projetos, percebemos que alguns alunos faltosos voltaram a frequentar regularmente. O trabalho em equipe, a alegria em estar na escola em contraturno e até nos sábados. Acredito muito na escola pública de qualidade, acredito que quando há professores engajados acaba por motivar os alunos. Hoje houve uma diminuição de atritos entre alunos, estão trabalhando juntos, houve diminuição de situações conflituosas”, conta a coordenadora do NEPRE Luana Pereira da Silva Schot.
Assim como nas outras unidades, a participação de toda a comunidade escolar foi mantida, comprovando como os professores serão essenciais no processo de saúde mental no pós-pandemia.
Vamos falar de saúde mental?
Conversar e buscar informações confiáveis sobre o tema é a saída para minimizar os preconceitos. O conhecimento é o melhor caminho para acolher o outro. “Devemos debater o Setembro Amarelo nas escolas com um olhar mais atento e empático, já que há a possibilidade de que as pessoas que sofriam de ansiedade ou depressão antes da pandemia estejam mais vulneráveis agora e que, em alguns casos, o contexto pessoal agrave a situação”, aponta a psicóloga Márcia Corrêa Ribeiro.
Série especial no Educa SC
Com o objetivo de demonstrar a importância do tema e do Setembro Amarelo, o Educa SC dá início à série de reportagens sobre saúde mental. Serão três conteúdos no portal, um podcast e mais a extensão do tema no programa “Educação e Saúde”, quadro semanal que vai ao ar nos canais do Educa SC. O intuito é que você aprenda sobre o funcionamento do corpo, dividindo o conhecimento com o amigo e incentivando as boas práticas em casa e na escola.
Vale destacar: se você não está se sentindo bem, procure ajuda especializada. Converse com as pessoas que estão ao redor e não tenha medo de explicar a situação. Falar e ouvir é um ato de empatia!