Em Santa Catarina, terceiro estado do Brasil com o maior número de desastres, o desempenho da Defesa Civil é fundamental, não somente para o enfrentamento, mas para a transformação da percepção de riscos pela população catarinense. Esta missão se tornou inspiração para um programa transformador chamado “Defesa Civil na Escola (PDCE)”.
Movidos pelo agravamento das condições climáticas e pela necessidade de fortalecer e preparar a sociedade para a gestão de riscos socioambientais, o programa enxergou nas instituições de ensino um local de esperança, servindo de bússola para gerações futuras no enfrentamento de desastres.
Em Balneário Rincão, pequena cidade no Sul de Santa Catarina, com cerca de 12 mil habitantes – mas que vive um crescimento populacional exponencial durante o verão, chegando a 200 mil moradores -, o Programa Defesa Civil na Escola está mudando a realidade de 950 alunos da Escola de Educação Básica (EEB) Melchíades Bonifácio Espíndola.
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A trajetória da escola junto a Defesa Civil iniciou antes mesmo de saberem que teriam um futuro promissor de impacto social, com o Plano de Contingência da Educação para Retomada das Aulas Presenciais em Santa Catarina (Plancon).
Quando chegou em Balneário Rincão, Rosinei da Silveira, coordenador regional de Proteção e Defesa Civil em Criciúma, motivou os alunos a contribuir para o avanço dos processos educativos na curricularização de temáticas para adaptar os cidadãos aoa problemas climáticos do século 21.
“Pretendo contribuir para que eles não fiquem presos uma listagem de conteúdos vagos que não contribuem para a formação integral de suas cidadanias. O aluno precisa passar por um processo interdisciplinar para que o conhecimento seja prazeroso, valorizando a curiosidade e a pesquisa, para então liberar o indivíduo de todas as suas ignorâncias e cegueiras.”
Roseli Henrique Fernandes, professora de Geografia, enxerga no programa uma fonte de esperança para os estudantes. A escola possui diversos alunos que moram em locais em situação de vulnerabilidade social e a realidade é assolada pela falta de saneamento básico, enchentes, lixões e queimadas.
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“Dentro do PDCE, desafiamos nossos alunos a produzirem notícias sobre problemas ambientais locais. Não poderiam só abordar o fato, mas acompanhar o desenvolvimento e propor uma solução. Eles não tinham se dado conta de que precisavam educar o olhar para o entorno, não viam os riscos dos locais onde residiam. O alagamento, uma constante em sua realidade, foi tema central de vários trabalhos”, conta Roseli.
Os principais objetivos do programa para a gestora da Defesa Civil, Regina Panceri, é fortalecer a preparação comunitária e promover ações que ampliem a resiliência nas comunidades, nos estudantes e na população frente a ocorrência de eventos adversos, além de possibilitar aos participantes envolvidos um diferencial no processo de formação acadêmica para que se tornem multiplicadores no âmbito social e comunitário.
Programa na prática
Muitos trabalhos desenvolvidos nas aulas de Língua Portuguesa da unidade são exemplos de sucesso na implementação do Programa da Defesa Civil na Escola. Entre eles, Shaiara da Silva Moura, 13, e Guilherme Mendonça da Rocha, 14, elaboraram um estudo completo sobre os problemas relacionados aos animais de estimação.
“Quando falamos de problemas ambientais, as pessoas pensam em catástrofes e, geralmente, esquecem que os animais fazem parte também. Durante a temporada, os turistas trazem seus animais e não levam embora, deixam os bichos, trazendo adversidades ambientais e sanitárias.”, conta Shaiara.
Além do risco de acidentes, William percebeu uma realidade que lhe era oculta. “Tudo que pesquisamos, eu não fazia ideia que existia. Comecei a perceber meu espaço, olhar para fora do ônibus e enxergar os animais espalhados. A Defesa Civil abriu meus olhos para isso, hoje eu percebo o meu arredor.”
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Já Alisson Von Muhlen, 12, encontrou uma solução para um problema que afeta sua família todos os dias: um lixão atrás de casa. Morador da comunidade zona sul da cidade, o aluno sofre com as consequências dessa situação, seja pelos animais peçonhentos que o visitam por conta do lixo, seja pelo cheiro do chorume nos dias quentes.
“Eu não conhecia a Defesa Civil, a professora me mostrou. Eu estava tentando encontrar pessoas para arrumar a vala e agora eu e minha família temos a esperança de resolver esse problema. Deu outro significado ao meu cotidiano”, desabafa Alisson.
O programa, destinado aos alunos do sétimo ano, transgrediu barreiras e envolveu toda a comunidade escolar. Benta Mota, servidora da unidade, lembra com carinho da mudança de comportamento dos estudantes para com a limpeza das salas de aula. “Eu achei legal quando os alunos vieram me perguntar sobre o meu trabalho. As pessoas que trabalham na limpeza muitas vezes são invisíveis.”
O Programa da Defesa Civil na Escola, assim como na EEB Melchíades Bonifácio Espíndola, impacta a vida de milhares em todo o Estado. Em 2021, a mobilização foi intensa, atuando em 166 municípios das 36 coordenadorias regionais de educação vinculadas à Secretaria de Estado da Educação.
Próximos passos
As próximas ações estão planejadas para que, em um período de três anos, todas as escolas catarinenses sejam mobilizadas a aderir à iniciativa. A escola de Balneário Rincão foi uma das primeiras a experimentar o impacto social que o projeto produziu para o presente e futuro dos seus 950 alunos.
“Fazemos com que as escolas possam desenvolver uma ecologia de aprendizagem no vir a ser dos alunos, indicando um despertar de pensamento crítico e espírito de autonomia do ser humano em suas localidades”, diz Rosinei. “Instigando uma correlação de dependência, de ética planetária, possibilitando uma relação de garantia de vida e desenvolvimento humano de justiça e liberdade.”