O primeiro contato de Daniela Cristina Borba com a educação foi através de uma tia, que também é professora. Foi observando a irmã de sua mãe preparar aulas, corrigir cadernos, confeccionar lembrancinhas para os alunos e receber mimos dos pais que Daniela se apaixonou pela profissão que desempenha há mais de 15 anos.
“No início de sua carreira, ela trabalhava em uma comunidade longe de casa, eu admirava o esforço que ela fazia para ir ensinar os alunos, isso me inspirou muito”, conta.
Professora orientadora da Educação Escolar Quilombola na Escola de Educação Básica (EEB) Titolívio Venâncio Rosa, na Comunidade Remanescente Quilombola Itapocu, há sete anos, Daniela luta por meio da educação para que os direitos da população quilombola da comunidade onde nasceu e cresceu sejam garantidos.
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“A educação transforma a minha vida todos os dias, por meio dela me torno uma cidadã que luta incessantemente para que nossos direitos sejam assegurados”, diz a professora.
Comunidade e escola
De acordo com o Centro de Referências em Educação Integral, chancelado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) “a educação quilombola acontece nas comunidades por meio do compartilhamento de conhecimentos e saberes entre todos. Já a educação escolar quilombola visa uma aproximação entre os saberes da comunidade e curriculares”.
Localizada no bairro Itapocu, em Araquari, no Norte de Santa Catarina, a EEB Titolívio Venâncio Rosa atende alunos dos Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio do Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) – uma modalidade de ensino destinada a estudantes que não completaram, abandonaram ou não tiveram acesso à educação formal na idade apropriada.
Na EEB Titolívio Venâncio Rosa, Daniela é uma ponte entre os saberes da comunidade e curriculares. Professora orientadora, ela está sempre na unidade de ensino atendendo às demandas da comunidade, dos educandos do Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) e dos professores da unidade de ensino.
Ser um “agente transformador, aquele que media o conhecimento e instiga os educandos a transformar a sua própria história e, acima de tudo, que aprende muito com o aluno” é o que define ser professor para Daniela.
As comunidades remanescentes quilombolas estão presentes em todo o território brasileiro e cada uma possui as suas especificidades. As escolas da Educação Escolar Quilombola oferecem conteúdos que estão estabelecidos na Matriz Curricular da Educação Escolar Quilombola. Entre os componentes curriculares, a disciplina Projetos Alternativos – Tempo Comunidade, permite aos alunos estudar essas especificidades na prática.
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“As festas, as religiosidades e todas essas especificidades são material para estudo. Tudo isso vai para a Educação Escolar Quilombola, e ali o conhecimento empírico vem ao encontro com o conhecimento científico. O Tempo Comunidade verifica o que está acontecendo na comunidade, quais ações que estão sendo tomadas, e leva isso para a escola, de repente é um problema que aconteceu e a gente discute esse problema, acha soluções ou formas de enfrentar esse problema e transforma isso em aula”, explica Daniela.
Segundo a educadora, comunidade e escola estão interligadas. “É sempre uma coisa imbricada a outra: a comunidade com a escola e a escola com a comunidade. A educação quilombola com a educação escolar quilombola.”
Resistência através da educação
Apesar da Matriz Curricular da Educação Quilombola ser considerada uma vitória da luta da população negra, mais especificamente do movimento quilombola, Daniela conta que uma dificuldade ainda enfrentada na educação quilombola é o preconceito racial.
“A maior dificuldade para nós, quilombolas, é o racismo que está impregnado em todas as instâncias e setores, isso dificulta muito o andamento das nossas ações”, afirma.
Para combater a intolerância, Daniela considera de suma importância o movimento de garantia da escolarização voltada para atender à comunidade e defende também que os próprios quilombolas retornem à comunidade após se formarem na universidade.
Ela mesma se formou no curso de Pedagogia na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Araquari, e decidiu permanecer na comunidade e utilizar a sua formação para atender a demanda e às especificidades da comunidade remanescente onde nasceu e cresceu.
“Acho muito importante que os próprios quilombolas se formem e voltem para as suas comunidades para atender às necessidades onde ele viveu, enaltecendo a riqueza cultural que a comunidade tem”, destaca.